Indico o texto “Os Segredos de cada um” de Anna Verônica Mauter – psicóloga, socióloga e psicanalista – que trata da importância para o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes de se constituírem espaços que resguardem sua intimidade, seus segredos, sua privacidade. Em tempos de Big Brother, de violência, muitas vezes se confundem os limites entre proteção e invasão de privacidade. Boa leitura!
Os Segredos de cada um
(Autora: Anna Verônica Mauter)
“E depois a gente não sabe por que as crianças viram adolescentes tão diferentes do que nós sonhávamos… Qual é o espaço que nós, pais e professores, deixamos para a intimidade deles, longe de nossos olhares?
Em nome de uma superproteção, exigimos ter a todo momento uma visão global da criança. Qualquer coisa diferente que acontece em casa, todo mundo vai correndo até a escola para contar que “possivelmente a criança vai se mostrar diferente porque a mãe está grávida ou o pai viajou, o irmão está doente ou a empregada mudou”. É como se de repente a criança tivesse que ser protegida de seus próprios sentimentos diante da vida.
Quem disse que a reação da criança vai aparecer na escola? Por que a gente acha que ela não vai saber dissimular? E, se ela não souber, provavelmente eis aqui a ocasião para ela começar a treinar esse comportamento tão importante. A transparência e a sinceridade viraram dever. Mas nem sempre podem ser usadas.
Ao querermos saber tudo o que acontece em todos os lugares, para termos uma visão integral de nosso filho, pensamos que estamos protegendo. Na verdade, estamos invadindo o que ele não nos abriu, impedindo-o de ter seus segredos – que redundarão, oportunamente, em defesas que vão constituir sua singularidade.
Todos nós temos de saber o que expressar e de que forma. A criança pequena chora em qualquer lugar. Com o tempo, se a deixarmos livre para errar ou acertar, ela vai aprender onde pode e onde não pode chorar, gritar, cantar, berrar. Cada um dos segmentos sociais onde a criança atua (casa, escola, família expandida, vizinhança) tem regras próprias, seus sistemas de gratificação e punição. Entre os coleguinhas, pode não haver castigo propriamente dito, mas existe a vergonha. Com o professor, tem nota e elogio; e, em casa, depende da personalidade dos pais. É preciso deixar que ela perceba que o mundo não é homogêneo, que ela pode ter segredos e adaptar-se a essas diferenças.
Ter vida secreta é o primeiro passo da sociabilidade. Qualquer criança acima de 3 anos, se não tiver sido completamente moldada pela homogeneização artificial de seu mundo, começa a perceber que seu desenho bonito agrada pais e professores, mas diante de outras crianças é inócuo. Ser bom de bola, isso sim é ponto positivo entre os amiguinhos. E assim por diante. Por mais que a gente queira proteger, ensinar, criar uma blindagem emocional, para que seu crescimento ocorra com poucos desgastes e pouca dor, felizmente a gente não consegue. Se conseguíssemos, criaríamos seres ingênuos incapazes de se fazer valer no mundo. O melhor laboratório que podemos oferecer para criar cidadãos aptos é permitir que frequentem vários mundos diversos para que testem suas aptidões.
Bisbilhotar, querer saber tudo que a criança faz quando está com seus outros grupos é castrar, limitar a criatividade. Depois não adianta fazer cursos para desenvolver a inventiva. A liberdade de testar comportamentos fora da vigilância adulta é o campo ideal para o surgimento do homem livre.
Portanto, atenção: aja com o seu aluno de acordo com o que ele está demonstrando e dizendo a você. Se for levar em conta informações divulgadas em conversas na sala dos professores, nos corredores das escolas e vindas da direção oposta – isto é, de casa para a escola -, faça isso com muito cuidado, para que a criança ou o jovem não se sinta vigiado.”
Thais Chies – thaispsico@espacodomquixote.com.br
Psicóloga do Espaço Dom Quixote